Conheço o Meu Lugar – Belchior

Dando continuidade aos estudos em “tentar entender” as músicas do Belchior, hoje vamos tentar “decifrar” a letra da canção “Conheço o Meu Lugar” do LP Vinil “Era uma Vez um Homem e Seu Tempo”, título que inclusive é uma frase de um dos estrofes da letra da música, gravado em 1979.

Essa música, nada mais é, que um recado que o nosso poeta manda aos “brasileiros” que discriminam o nordestino. Pena que, no geral, a maioria desses “brasileiros” não possuem intelecto suficiente para entender o recado e, de repente, algumas delas até ouvem a música e até gostam, sem saber que a letra é um puxão de orelha que o Belchior está dando nela.

A letra começa perguntando o que um homem comum pode fazer, senão criar o seu próprio momento (instante) a partir dele mesmo e, ignorando os pensamentos maldosos e discriminação das pessoas. Enquanto que, na canção “Fotografia 3 x 4” ele fala pro Caetano Veloso: “Veloso, o sol não é tão bonito pra quem vem do norte e vai viver na rua”. Pura verdade! Belchior passou maus bocados em São Paulo até conseguir falar com o pessoal da gravadora. A discriminação do baixinho, narigudo, cabeçudo e ainda por cima nordestino não veio de fora pra dentro, mas de dentro pra fora. Pois, começava com o chá-de-cadeira que ele levava na gravadora pra, na noite, dormir no banco da praça (na rua).

Então, quando ele coloca:

“O que é que pode fazer o homem comum
Neste presente instante, senão sangrar?
Tentar inaugurar a vida comovida
Inteiramente livre e triunfante?”

Ele mostra que basta se dar uma injeção de ânimo para não perder a luta. Porque, apesar de ser um homem comum, e a única arma (ou saúde máxima) que ele tem é a sua voz.

“O que é que eu posso fazer
Com a minha juventude
Quando a máxima saúde hoje
É pretender usar a voz?

E, apesar de ser um simples jovem cantador de porão, que é tratado como um cão de rua, que as pessoas fazem carinho aos olhares dos outros, mas à noite, longe dos olhares, trata-o aos pontapés.

“O que é que eu posso fazer
Um simples cantador das coisas do porão?
Deus fez os cães da rua pra morder vocês
Que sob a luz da lua
Os tratam como gente – é claro! – aos pontapés”

Então ele passa a tratar agora do tratamento que ele recebia do homem da gravadora, comparando-o ao personagem covarde da Peça “Bodas de Sangue” de Federico García Lorca. O personagem do roteiro de Lorca em questão, é Leonardo. Jovem que tempos atrás enamorou uma moça, que agora estava noiva de outro e com o casamento marcado. Então covardemente começa a arquitetar planos para impedir o casamento. Assim era o sujeito da gravadora que, silenciosamente, fazia de tudo para impedir que nosso poeta conseguisse gravar seu disco. Por ser desconhecido nacionalmente, pura sacanagem ou por ser mais um jovem nordestino.

“Era um homem e seu tempo
Botas de sangue nas roupas de Lorca
Olho pra cara do presente e sei
Que vou ouvir mais uma história porca”

Veja o trocadilho (isso é a cara do Belchior) que ele faz com “Botas de Sangue” o nome da peça teatral “Bodas de Sangue” que virou filme do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca.

Finalmente, ele mostra que venceu a batalha sem precisar renegar a sua naturalidade de nordestino. Que ninguém conseguiu impedir sua felicidade e, nem mesmo conseguiu bater-lhe a porta em seu nariz.

“Não! Você não me impediu de ser feliz!
Nunca jamais bateu a porta em meu nariz!
Ninguém é gente!
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
Não sou da nação dos condenados!
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem:
Conheço o meu lugar!”

Esse vídeos foram só uma palhinha para você ter uma ideia do acompanhamento, apesar da interpretação deixar um pouco a desejar, mas sei que você perdoa o velhinho, que já não tem a mesma voz de outrora. Então, analise abaixo a letra ouvindo a canção merecidamente interpretada pelo próprio Belchior na gravação original do disco (bolachão) da época.

Como interpretar a Tablatura (Introdução):

O diagrama é montado da primeira corda para a sexta.
Os números determinam o traste onde a corda deve ser pressionada. Quando zero significa que a corda deve ser tocada solta.
Siga então da esquerda para a direita pressionando (ou não) a corda e tocando uma vez. Quando o número se repete na mesma corda significa que você deve tocá-la novamente de acordo com a quantidade de vezes que o mesmo número se repete.
Para aprender o tempo entre a mudança de cada batida e mudança, ou não de corda e traste, assista ao vídeo da introdução quantas vezes for necessário.
Vá por parte. Aprenda a primeira parte incluindo os tempos até estar fazendo igual sem olhar para a tablatura. Só muda para a parte seguinte quando estiver aprendido a anterior.

Agora, assista ao vídeo onde eu lhe ensino a solar a introdução da música. Você deve ver esse vídeo analisando a tablatura da introdução, para poder contar o tempo entre as mudanças dos tons do solo.

Conheço o meu lugar
Belchior

Introdução: C D C D C D E

E|--------------------------------------------------------|
B|--------------------------------------------------------|
G|-----0-2-4-2-0-------------0-2-4-2-------0-2-4-2-0------|
D|---2------------4-2-----2-------------2-------------4---|
A|-3-------------------3-------------3--------------------|
E|-----------------------------------------------------0--|

G                                                                            D
O que é que pode fazer o homem comum
                                                                     Em
Neste presente instante senão sangrar?
Tentar inaugurar
                       A
A vida comovida
                                                 D7
Inteiramente livre e triunfante?
G
O que é que eu posso fazer
                                    D
Com a minha juventude
                                                 Em
Quando a máxima saúde hoje
             A                           D7
É pretender usar a voz?
G
O que é que eu posso fazer
D
Um simples cantador das coisas do porão?
                                                Em
Deus fez os cães da rua pra morder vocês
                                    A
Que sob a luz da lua
                                                                                      D7
Os tratam como gente – é claro! – aos pontapés
                     E
Era uma vez um homem e o seu tempo
                             A
Botas de sangue nas roupas de lorca
                             Em
Olho de frente a cara do presente e sei
                                                                        A
Que vou ouvir a mesma história porca
G                                            D
Não há motivo para festa: Ora esta!

Eu não sei rir à toa!
Em
Fique você com a mente positiva
                                                A
Que eu quero é a voz ativa (ela é que é uma boa!)
                                Em
Pois sou uma pessoa.
                                  A
Esta é minha canoa: Eu nela embarco.
                    Em
Eu sou pessoa!
                                A
A palavra “pessoa” hoje não soa bem
Pouco me importa!
G                                          D                           G
Não! Você não me impediu de ser feliz!
D                                                                            Em
Nunca jamais bateu a porta em meu nariz!
Ninguém é gente!
           A                                                                            D7
Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!
G                                         D                              G
Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos!
D                                                      Em
Não sou da nação dos condenados!
                              A
Não sou do sertão dos ofendidos!
Você sabe bem:
        D                           G    D  C
Conheço o meu luga-a-ar

* Eu cifrei a letra o mais simples possível para você poder, inicialmente, aprender a cantar e acompanhar a música o mais breve possível. Quando você chegar a esse ponto, você poderá aprimorar um pouco o acompanhamento substituindo o acorde Ré Maior por um arranjo bem legal feito com três notas. Onde você encontrar a finalização de uma estrofe dessa:

                                                  D7
Inteiramente livre e triunfante?

Você substitui por:

                                           D4   D   D9
Inteiramente livre e triunfante?

TABELA DAS NOTAS:

Sol – Ré – Lá – Mi – Mi Menor – Ré c/4ª – Ré c/9ª

GSol DRé ALá EMi EmMi- D4D4 D9D9
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7 respostas para “Conheço o Meu Lugar – Belchior”

  1. Olá. O que o Belchior passou antes do estrelato creio que todos passaram e outros sofrerão a mesma coisa.
    Estes sujeitos que detém o poder e ficam protegidos atrás de uma cadeira sempre agem desta forma, humilhando a quem procura um lugar ao Sol. Logo, fazem o que querem por saber que ninguém é obrigado a ajudar a quem pede, procura. Mas é uma questão de humanidade tratar bem seu semelhante, no mínimo falando a verdade e não apenas pedindo pra que ‘volte amanhã’ ou ‘qualquer coisa eu te ligo’, e por aí vai. Mas Belchior fala na música que Deus criou o cachorro na realidade é pra morder este tipo de gente.
    Bem, é isto. Valeu. Léo Santos – Radialista e Jornalista – Curitiba – PR

  2. Uau! quanta entrega nesta análise! achei de uma sensibilidade imensa entrecortá-la com versos cantados, foi uma experiência de fruição inédita pra mim, adorei que você explorou a experimentação desta obra prima em sinestesia dos sentidos. uau. com certeza, vou revisitar, daqui em diante, este modelo de expressão em minhas produções bibliográficas, com os devidos créditos, é claro!

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